terça-feira, 10 de abril de 2012

João

Vendeu lixeiras de portão em portão em diferentes bairros da cidade. Em dia de sol, queimava a cabeça protegida por um boné azul, gastava as solas de um tênis usado e surrado, poucas vezes foi destratado ou mal recebido, era bem articulado em seus argumentos para vendas e contar histórias imaginárias de locais que apenas sonhava em conhecer.

Estudava as letras, gostava de rock, futebol e tomava cerveja nos finais de semana. Colecionava jogos de botão, escrevia poesias e contos, jogava xadrez e adorava carnaval. Não sabia fazer contas, tinha saudades do que nunca tinha sido, aprendido e sempre defendeu suas poucas ideias e amigos com a mesma paixão que nadou e correu pelas praias de Ubatuba.

Gostou de tantas, mas foi Janaína quem amou pela primeira vez, a morena dos cabelos escorridos, olhos de jabuticaba e personalidade calma e decidida, que gostava dos Beatles, cigarros e das viagens desconhecidas.

Correu por tantos projetos, tentou até desenhar casas, fez rádio, TV e até violão tocava nos bares do centro da cidade. Estudava Direito, vivia de óculos escuro, jeans e tênis. Nunca tinha dinheiro no bolso, mas adorava um caldo de cana com limão que sempre fazia os amigos pagarem. Voava mais que papagaios nas tardes de sono, o pouso era sempre certeiro, seguro e as noites silenciosas amigas.

Não escreveu uma grande história. Não compôs uma linda música e perdeu Janaína antes que conhecesse a felicidade. Convenceu, mentiu, brincou e até falou verdades.

Antes dos 30, acabou conhecendo de perto a mais triste história, um jovem com um caco de vidro na mão, cortou seu pescoço em busca de uns poucos trocados e um relógio velho que havia ganhado de seu finado avô. Morreu em silêncio, deixou saudades e a dúvida de quem de fato é seu verdadeiro assassino.

João virou estatística.