Jesuíno sentia o fogo nos pés. O suor às vezes lhe ardia os olhos, a tontura vinha das horas de fome e sede, perdido entre devaneios e realidade. Há dias caminha a esmo, entre cidades, gente e nenhum olhar, nem mesmo o divino. É quase um demente. É quase um pensador, sem voz e com pouco coração. O chão quente da rodovia é companheiro de tempo, e na chuva a água molhava o espírito atormentado de um homem que perdeu parte da vida em fumaça.
Nordestino, cresceu na cidade grande, trabalhou bastante, bebeu muito também, andou em igrejas, ajudou a construir escolas, onde nunca esteve, mas sabia ler e escrever e gostava até de acompanhar as notícias de seu Corinthians. Difícil saber sua idade, entender suas poucas e confusas palavras. Conhecia o terror da cadeia, conhecia o sol da manhã em bancos de praças.
Foi pai também, dos bons, ajudou na criação de duas meninas encaminhadas e ajuizadas. Perdeu sua Maria atropelada em uma tarde de tempestade. Não eram casados no papel, não tinha documentos e para o mundo foi seu pedaço de vida.
Aprendeu com a mãe, que também já o havia deixado que se roubasse era mortal. Desde muito cedo escolheu o certo sem ao menos ter muita ideia do errado, e mesmo quando entrou na selva de pedras, a postura foi idêntica o que aumentou seu sofrimento. Uma genuína tortura de alma. Sentiu em uma noite de estrelas saudades de sua vida, bebeu mais um gole de pinga e procurou a fumaça maldita.
Tinha casa e um velho e modesto automóvel, tinha alguns móveis e até uma geladeira nova. Recebia ligações constantes das filhas já casadas. Seu primeiro neto já está falando e ninguém, nem mesmo seus vizinhos ou parceiros de copo sabem seu destino.
Jesuíno é procurado pela família e por seus muitos credores. Alguns imaginam que ele mudou de plano e mundo. Poucos sabem o fio de trapo que ele se apresentava nos últimos dias, antes da derrocada. Viver apenas um dia depois do outro, atrofia a esperança e apodrece os sonhos.
Ninguém sabe de Jesuíno, nem mesmo ele, ninguém.
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